História

A história contada por Taulan Cesco, numa entrevista que fez comigo.

A gaúcha de São Sepé, Michelle Silveira da Silva, graduada em Interpretação e Direção Teatral pela Universidade Federal de Santa Maria. Desde 2001 atua como a Palhaça Barrica – quase um pseudônimo –, além de desenvolver uma pesquisa continua sobre essa linguagem. O estilo clown,adotado por Michelle, foi descoberto na Universidade e a acompanha até hoje. Em uma entrevista no Teatro Municipal de Chapecó – seu habitat, digamos –, ela comenta a respeito da criação da palhaça e o paradoxo de se esconder sob uma fantasia para poder se expressar. O humanismo das pessoas, a cerimônia para incorporar a Barrica e qual o significado da arte.

Como foi a criação do personagem, quais foram suas inspirações; em que circunstância a Barrica surgiu?

Foi em 2001, numa disciplina de clown na faculdade, que eu descobri o que seria a minha palhaça. Esse processo de desenvolvimento do personagem se dá pela descoberta de aspectos cômicos da própria personalidade, aquilo que é ridículo, diferente dos outros que são potencializados. No começo o nome da palhaça era “Beiçorofix”. Beiço porque nasci chorando; Ro, porque chorava uma ópera, ou seja, Beiçorote, de Pavarotti; e fix, porque eu tinha duas tranças e parecia Asterix e Obelix. Só que o nome não tinha liga, as pessoas não entendiam muito. Continuando o processo, numa oficina eu conheci uma professora que me batizou como Barrica, um nome bem mais popular. Às vezes as pessoas me chamam de Barriga, mas eu não sei porque elas confundem (risos). E foi desse modo eu fui descobrindo a palhaça, sempre voltando o olhar para mim mesmo, para os aspectos da minha própria personalidade que eu poderia emprestar a ela. Eu costumo dizer que o palhaço não é um personagem, porque não se constrói ele com uma história ou texto pré-estabelecido. O palhaço é como se fosse uma lente de aumento sobre mim, então ele é o que se vê na lupa, ou seja, o exagero de mim mesma.

Os seus medos também estão presentes, quais os sentimentos que você coloca na Barrica?
Na verdade, a intenção do palhaço na história é ser um espelho da humanidade. Então quando eu me visto de palhaço, a ideia é ser o espelho de qualquer ser humano, refletindo as suas emoções. Uma coisa que para mim é ridícula e eu uso muito na Barrica é o fato estar fora do padrão de beleza, ser gorda, brincando com isso. A Barrica permite me relacionar com as pessoas, trata-las com sensibilidade, sentir um amor universal, fraternal, independente de classe social, sexo ou cor. Para mim, todo esse processo foi difícil. Mostrar a minha barriga, porque é gorda, era uma coisa chata, desconcertante, até que certo dia, numa intervenção, eu desfilei a minha barriga e as pessoas gritavam alvorecidas e eu pensava: ‘Nossa, as pessoas estão falando isso da minha barriga!’. Depois fui entender que na verdade aquilo era libertador para elas, porque se eu pude mostrar minha barriga, elas também poderiam. Essa função do palhaço é muito importante, refletir a humanidade, se perceber nessa situação e rir daquilo.

A liberdade da Michelle extrapola quando você está de Barrica?
Sim, é como se eu tivesse uma licença poética para fazer as coisas. Então, quando você põe o nariz e está no estado do palhaço é como se adquirisse a voz do louco. Isto é, falar e fazer as coisas que às vezes a maioria das pessoas gostaria, mas não fazem por conta das convenções e o palhaço se permite. A gente sempre diz que a menor máscara do mundo (nariz), ao invés de mascarar, revela. Descobrir que ao se colocar o nariz é possível ser o que quiser, é maravilhoso.

Mas isso não é contraditório, por uma máscara para poder dizer e ser o que quiser?
Olha, eu já passei por umas crises dessas, de pensar nisso: ‘Bom, se eu colocar a máscara, eu me mascaro a tal ponto de dizer aquilo que eu gostaria sem a máscara. Ou, eu coloco a máscara e revelo aquilo que gostaria de dizer quando estou sem ela?’ Eu prefiro a segunda opção, porque quando se coloca a máscara da tragédia, comédia ou uma neutra que tapa todo o rosto, realmente se está cobrindo o as expressões e para compensar é preciso usar muito mais o corpo. No palhaço, há uma relação muito mística com o nariz. Ela é a menor máscara, mas ao pô-la, a inocência, o estado infantil, não infantilizado, a ingenuidade, a pureza voltam. Mas claro, não é apenas colocar o nariz, existe todo um processo.

Você prepara alguma cerimônia para introduzir a personagem toda vez que você se veste como a Barrica e vai se maquiando, ou seja, se despindo de Michelle?
(Risos) Na verdade, quando eu coloco a roupa, começo a me maquiar a concentração vai surgindo. Eu gosto muito de cantar  e isso me ajuda a trazer a Barrica, porque são músicas sem ritmo, lógica, desafinadas que me fazem entrar na distorção que a palhaça tem.

Michelle, uma saída para se libertar é a arte, isto é, expressar na arte aquilo que não se pode na vida social?
Às vezes as pessoas acham que a arte não tem sentido, não serve para nada, que é só um adereço. Mas eu penso que a arte tem a função de tornar as pessoas melhores. Para mim, com a experiência que tenho, eu consegui ao longo do tempo visualizar a minha humanidade. Conseguindo visualizar a minha, eu posso visualizar a sua humanidade, perceber o ser humano, ver os meus erros e assim é mais fácil de entender os seus erros, além de tudo, saber que isso é humano. E a arte tem o papel de nos aproximar humano. Dessa forma nós conseguimos aceitar melhor o humano dos outros.
Sempre muito alegre, Michelle preserva uma emoção pela vida que poucos têm. Isso se deve muito à Barrica que permite a artista tornar-se tal poetisa, que não se preocupa com os preconceitos e vergonhas. 

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